quarta-feira, 28 de setembro de 2016

HÁ UMA SEMENTE DO MASSACRE DO CARANDIRU EM CADA FAVELA BRASILEIRA


           111 presos assassinados em 1992 e o julgamento de 74 policiais responsáveis  pelo Massacre do Carandiru foi cancelado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Eles haviam sido condenados a penas que variavam de 24 a 624 anos de prisão. Segundo o desembargador Ivan Sartori, relator do processo, “Não houve massacre. Houve obediência hierárquica. Houve legitima defesa. Houve estrito cumprimento do dever legal”. Inacreditável! Um grupo de policiais entra numa Casa de Detenção, verdadeiro depósito de seres humanos comparável a um navio negreiro, mata essa quantidade de pessoas em legitima defesa.
           Embora seja chocante essa decisão, a Justiça não faz mais que repetir o que tem sido comum: o desprezo com as vítimas de violência policial e a impunidade de agentes de segurança, no pleno exercício do serviço público, que abusam do poder, reprimem, seqüestram e assassinam pessoas pelo país afora. O local quase sempre é o mesmo, as favelas. A polícia, aparentemente, não percebe a diferença entre um presídio e a periferia urbana, exercendo coercitivamente seu poder e tratando todos como suspeitos ou potenciais criminosos.
          Conforme aponta o relatório da Anistia Internacional a Policia Militar no Brasil é a que mais mata no mundo. Os EUA vêm logo atrás. Em 2014, 15,6% dos homicídios tinha um policial no gatilho. Isso significa 8,7 mil pessoas assassinadas. As vitimas quase sempre são negras, pobres e moradores de favelas.  
         Casos não faltam. O pedreiro Amarildo desapareceu em 2013 na favela da Rocinha, Rio de Janeiro, e seu corpo nunca foi encontrado. 12 policiais foram condenados e 12 foram absolvidos mas aguardam ansiosamente o mesmo desfecho do Carandiru. O jovem Davi da Silva, 17 anos, nunca mais voltou quando passeava e foi abordado por policiais. O caso ocorreu em Maceió e testemunhas ouvidas confirmaram que viram o jovem entrar na viatura policial. Nunca o corpo foi encontrado e ninguém foi punido. Em Fortaleza, 11 adolescentes foram assassinados no bairro Curió em novembro de 2015 após policiais encapuzados atirarem em bares e restaurantes do bairro. A ação foi uma vingança após um policial ter sido assassinado. 44 policiais estão presos, mas aguardam também o perdão da justiça.
            Até mesmo a Organização das Nações Unidas já reconhece abertamente essa situação. Zeid Al Hussein, alto comissário para os Direitos Humanos afirmou “Não há uma tentativa de ser defensivo e há um entendimento de que o Brasil enfrenta um teste severo nesta área e que a maioria dos brasileiros afrodescendentes se sentem inseguros nas zonas urbanas e de que não tem a mesma proteção da policia...o primeiro passo para lidar com um problema é reconhecer que ele existe”.
           Muitos justificam a violência policial para contenção da criminalidade. Um tremendo engano. Chegam ao cumulo de retirar a humanidade de presos e suspeitos, até apoiando esses ataques e massacres. Trata-se de uma guerra, afirmam. Esquecem-se de que falamos daqueles que não estão armados, e mesmo assim, morrem cotidianamente. Ainda que fosse uma guerra entre bandidos e mocinhos, os ‘civis’ deveriam ser protegidos em vez de serem mortos.

Infelizmente, assim como tantos outros crimes policiais nas favelas, Carandiru é apenas uma semente que foi plantada na ditadura civil-militar (1964-1985) e sempre renasce até o dia em que povo brasileiro tome o seu destino na mão, arrancando a raiz de vez. Daí em diante passará à memória de um tempo que não volta mais.

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