sábado, 29 de abril de 2017

A CRÍTICA À DIALÉTICA HEGELIANA - MARX E ENGELS


          A pretensa ideia de reconciliar o pensamento filosófico marxista com a filosofia clássica alemã, tendo Hegel como seu principal expoente, não faz, de maneira nenhuma, progredir o marxismo-leninismo, mas o atrasa.  Primeiro, por que a crítica a Hegel é peça fundamental na concepção filosófica marxista. Segundo, pelo fato do atual momento existirem inúmeros ‘marxistas’ tentando fortalecer uma unidade com velhas idéias filosóficas, dando ao marxismo revolucionário um caráter eclético e incompreensível.
            Mesmo considerando a importância para o conhecimento da concepção filosófica marxista, o profundo estudo do pensamento hegeliano, é necessário ressaltar o que ambos tem em comum e o que, ao mesmo tempo, tem de diferentes. O marxismo, em filosofia, é a superação do hegelianismo. Ao mesmo tempo, é produto exatamente dessa crítica.
Resultado da obra de dois grandes expoentes do pensamento filosófico alemão, Karl Marx e Friendrich Engels, o materialismo dialético, expõe claramente as limitações da dialética hegeliana. Suas obras se complementam e harmonizam-se num único corpo teórico. O objetivo do presente artigo é contribuir para o entendimento do papel da filosofia hegeliana no pensamento marxista, partindo do pressuposto que, sem uma crítica precisa desta, também realizada por Ludwig Feuerbach, a concepção marxista não poderia ter existido.

A CRÍTICA DA FILOSOFIA ESPECULATIVA

            A filosofia busca conhecer a realidade como tal, desmitificando-a através do aprofundamento do conhecimento. Há a busca incessante de saber O QUE É, ou, o SER. Tal ideia atravessou toda a história da filosofia ocidental, pois conhecê-lo significa também SABER.
A Lógica Hegeliana parte do pressuposto, que o SER é o ‘começo’, ‘puro pensamento’, não ‘pode ser determinado por outra coisa tampouco pode ter determinação em si’. Não pode ter ‘fundamento’. Tal ideia dá ao ‘absoluto’ uma qualidade criadora e que determina todas as outras coisas. Esse, por sua vez, ‘começo abstrato’.1
Ao considerar o SER como o absoluto, não tendo conteúdo, produto do pensamento, Hegel  ‘inverte’ a realidade, dando ao ‘puro pensamento’ vida própria, podendo assim, a filosofia reconhecer o mundo não como ele é, mas como o movimento do pensamento nos apresente. O SER para Hegel só existe, assim, no pensamento, na ideia. Negando-o, temos o NADA, que pode se dizer o que é. Estes, num movimento permanente e ininterrupto “do abstrato ao concreto, do ideal ao real”2. O VIR-A-SER é a realidade objetiva pensada, refletida, determinada do movimento do SER.
Diferentemente, para Marx e Engels, o SER não é uma totalidade ou absoluto, da qual tudo passa dela a depender ou a ela submetido. Não é indeterminado, pois possui uma determinação histórica, passageira, efêmera, mas verdadeira, mesmo que temporariamente. Daí que na concepção dessa ontologia3, não existir no pensamento marxista uma definição apenas na abstração do que é o SER. Pensar é, mesmo que sobre o SER, predicado, o SER é objeto. A realidade, para Marx e Engels, é independente da ideia (existe fora do pensamento) que temos sobre ele, embora só o conheçamos quando o negamos, num processo permanente e ininterrupto.
Para a Dialética Materialista, a não-determinação do SER, torna a Dialética Hegeliana, mesmo racional e estruturada num Método enganador da realidade, pois se ao dizer o que é sobre algo, o mesmo só existe pelo movimento que o pensamento realiza sobre ele, não passa, assim, de ESPECULAÇÃO. Em resumo, o materialismo dialético reconhece o processo absolutamente importante da negação abstrata no pensamento, mas essa negação existe antes e primeiro fora do pensamento, pois só é pensada porque é independente dela, não o contrário. Ou, em outras palavras, pensamos sobre as coisas (a negação e o movimento delas) porque elas existem e estão em contradição na realidade antes de estarem no pensamento.
 Assim, nas palavras de Marx:“De um lado Hegel sabe representar o processo pelo qual passa de um objeto a outro através da intuição insensível e da representação, com maestria sofistica, como se fosse o processo do mesmo ser intelectivo imaginado, do sujeito absoluto. Mas depois disso, Hegel costuma oferecer, dentro da exposição especulativa, uma exposição real através do qual é possível captar a própria coisa. E esse desenvolvimento real dentro do desenvolvimento especulativo induz o leitor, equivocadamente, a tomar o desenvolvimento especulativo como se fosse real e o desenvolvimento real como se fosse especulativo”.(A Sagrada Família, Boitempo Editora, pág 75)
                                                                         
A AFIRMAÇÃO NO PENSAMENTO HEGELIANO

Por outro, Marx e Engels reconhecem no hegelianismo a forma do movimento do pensar humano sobre a realidade, exteriorização, ao abstrair-se dela, dando ao homem autonomia ‘dos espíritos fixos’, pela negação, ‘isto é suprasunção desta exteriorização’, efetiva externalização do pensar humano. Um grande avanço à filosofia anterior. Por isso, o movimento racional e lógico do pensamento hegeliano possibilitou uma crítica da filosofia anterior e, mais do que isso, deu ao ‘vir-a-ser’ um papel destacado. 
Diz Marx, “O positivo que Hegel aqui conseguiu – na sua lógica especulativa – é que os conceitos determinados, as formas do pensamento universais fixas, em sua autonomia diante da natureza e do espírito, são um resultado necessário do estranhamento universal da essência humana, portanto também do pensar humano e, que, Hegel os apresentou e reuniu, por isso, como momentos do processo de abstração”. (Manuscritos Economico Filosóficos, Boitempo editora, pág 135)
Ao mesmo tempo, a ideia da suprassunção ou tornar-se algo novo pela negação contraditória existente, o qual possui o seu passado ora negado ainda presente, que também será posteriormente vencido num fluxo permanente, dá ao ser humano uma nova perspectiva para instrumentalizar o conhecimento. O homem passa a questionar a realidade, mesmo que em Hegel num movimento puramente abstrato, e também a acreditar na sua capacidade de conhecer o mundo, desmitificando-o. Abre-se uma nova perspectiva para a Filosofia.
Afirma Marx: “O supra-sumir como movimento objetivo retomando de volta em si a exteriorização (Entausserung) – É este juízo (Einsicht), expresso no interior do estranhamento, da apropriação do ser (Wesen) objetivo mediante a suprassunção de seu estranhamento, o juízo estranhando na objetivação efetiva do homem, na apropriação efetiva de seu ser objetivo, mediante a eliminação da determinação estranhada do mundo objetivo, mediante sua supra-sunção na sua existência (Dasein) estranhada”. (Manuscritos Econômico Filosóficos, Boitempo editora, pág 135).
Embora pareça apenas um jogo de palavras, fica expresso nessa passagem o modelo ou forma (Método esse sistematizado por Hegel) de conhecimento adotado pelo Materialismo Dialético para conhecer a realidade, tomando-a em primeiro lugar. Lembremos que a obra acima citada possui tanto a afirmação quanto à crítica ao pensamento hegeliano.

O SER HUMANO, DETERMINAÇÃO E AUTOCONSCIÊNCIA

            Em virtude de não existir uma dissociação do método e conteúdo na filosofia marxista (mesmo admitindo-a formalmente para fins didáticos) a natureza da filosofia hegeliana, é idealista e especulativa. Por isso, não evoca o papel transformador humano como sendo o caminho objetivo da reflexão filosófica. Embora representando um avanço em relação à filosofia conservadora anterior, Hegel constrói uma concepção que torna a Filosofia num fluxo supervalorizado da abstração. A consciência, mesmo entendida no ‘Devir’ (movimento da transformação interior), pretende ser independente da realidade, tendo como substancia a própria estrutura e forma do pensamento, ou o ‘saber absoluto’. O movimento da consciência, mesmo que num fluxo contínuo de externalidade-internalidade, é substancialmente autoconsciente e o papel do sujeito é passivo.
            O pensamento de Marx e Engels, produto também da Crítica de Feuerabach sobre a Dialética Hegeliana, tornou-se uma forma de conhecimento sobre a realidade capaz não apenas de interpretar o mundo, mas também de modificá-lo. O sujeito pensante não é produto da abstração dele próprio ou da ‘verdade absoluta’, mas, ao contrario, resultado do mundo real, negado a partir do seu mundo subjetivado, o qual se encontra consigo mesmo, para negar seu papel, construindo sua história, e ao mesmo tempo, sua consciência. Nela, o homem é sujeito ativo, mesmo determinado historicamente, e não produto da sua autoconsciência.
Marx afirma: “Hegel faz do homem o homem da autoconsciência, em vez de fazer da autoconsciência a autoconsciência do homem, do homem real, e que, portanto, vive também em um mundo real, objetivo e se acha condicionado por ele. Ele vira o mundo de ponta-cabeça, o que lhe permite dissolver tanto na cabeça todos os limites, e isto os faz, naturalmente manter-se de pé para a má sensoriedade, para o homem real. Alem do mais, para ele vale como limite tudo o que denuncia a limitação da autoconsciência geral, toda a sensoriedade, a realidade e a individualidade do homem e de seu mundo” (A Sagrada Família, Boitempo Editora, pág 215)   -
            Por fim, em virtude dessa concepção sobre o ser humano, seu conhecimento sobre si mesmo, a filosofia de Hegel entra numa contradição. Ao negar todo dogmatismo anterior e reconhecendo a possibilidade de conhecimento do mundo através da ciência, a sua dialética concebe, na essência, um espírito absoluto. Seu começo, ser puro, indeterminado, interno do seu sistema de pensamento passa a ter, assim, vida própria, necessitando de nele mesmo acreditar sem uma razão própria de ser.
            Nas palavras de Engels: “Com isso, porém, proclama-se como verdade absoluta todo o conteúdo dogmático do sistema de Hegel - o que está em contradição com seu método dialético que se opõe a todo dogmatismo. Assim, o lado revolucionário da doutrina de Hegel morre asfixiado pelo seu lado conservador.” (Ludwig Feuerbach e o fim da Filosofia Clássica Alemã, Editorial "Avante!" - Edições Progresso Lisboa - Moscovo, 1982.)

1-      HEGEL, Georg W. Friedrich. Ciência da Lógica.Editora Barcarolla. 2011.
2-      KONDER. Leandro, O futuro da filosofia da Práxis. Rio de Janeiro, Paz e Terra. 1992
3-      Estudo do Ser no seu sentido abrangente

Nenhum comentário:

Postar um comentário