"gente sem terra
corrupção, desemprego:
mundo em guerra"
Carlos Seabra
Está mais
do que claro com os atuais casos de corrupção (somados aos demais de toda a
nossa história) que apenas uma pequena parcela se beneficia do 'roubo aos
cofres públicos'. Essa parcela é, sem dúvida, a mesma que mantem intacto um
conjunto de privilégios sociais e os mantem utilizando tal expediente político.
No caso da operação Lava-Jato, que investiga fraudes na Petrobras, os
principais beneficiados foram empreiteiros que enviaram para fora do país
aproximadamente R$ 5 bilhões. Os demais recursos foram distribuídos entre
partidos e dirigentes da empresa. Como quase nunca eles (empresários) são
investigados e presos, é normal que se desvie a atenção das pessoas para
impedir que o povo brasileiro perceba o quanto às grandes empresas privadas são
as principais responsáveis por todo o mar de lama existente.
Para ir à raiz desse problema, é
preciso, pois, se perguntar: o que motiva toda essa corrupção? Como ela se
mantém? Ela sempre existiu? Quais suas características? Tentemos esclarecer.
A ESSÊNCIA DA CORRUPÇÃO
Assim Lord Acton1
chegou as causas da corrupção:
"O poder tende a corromper, e o
poder absoluto corrompe absolutamente, de
modo que os grandes homens são quase sempre homens maus."
Pra
ele, o poder e o homem quando se misturam gera corrupção. E a maldade do homem
é a responsável pela corrupção. O homem corrompe o poder porque é da sua
natureza. Pensamento compartilhado também por Nicolau Maquiavel2:
“Tudo se degenera, se sucede e se repete
fatalmente” e “Mas a ambição do homem
é tão grande que, para satisfazer uma vontade presente, não pensa no mal que daí a algum tempo pode resultar dela”.
Ora, uma explicação absolutamente
simplista para o problema. Para ambos, qualquer exercício de poder seria
corrupto. Em resumo: O homem é corrupto porque o poder o corrompe. O poder é
corrupto porque o homem o corrompe. Não passa de um argumento puramente
circular, como “a arvore dá frutos porque é arvore e essa é sua
característica”.
Bastaria que apenas um dos poderosos
não se corrompesse para cair por terra tais argumentos. Fato esse que está
repleto na história, mas que ninguém acreditaria. É como se já estivesse
arraigada no imaginário dos seres humanos. Alguém diria: “Certo, esse não é
corrupto, tão logo se investigue se descobrirá a verdade”. Não passa de
especulação idealista uma conclusão como essa. Entretanto, para se negar,
descobrindo que não é essa a causa da 'corrupção do poder' há a necessidade do
estudo da história da própria humanidade.
A corrupção nem sempre existiu. As
comunidades primitivas não viveram a corrupção. Isso porque a 'comunidade' era
sempre mais importante que seus habitantes. A moral era baseada no seguinte
principio: “a vida serve para preservar a comunidade”. Nesse estágio, no qual o
homem e sua individualidade era até mesmo subestimada3,
os interesses comuns estavam acima dos interesses pessoais. Era desonroso
'vender' ou se beneficiar de conquistas sociais. No entanto, em virtude da
elevação do nível de desenvolvimento material da humanidade, das insuficiências
desse modo de viver e uma elevação do grau de conhecimento e técnica da
sociedade, essa moral sucumbiu quando surgiu a propriedade privada dos meios de
produção (individual) e a divisão, consequentemente, da sociedade em classes
sociais.
Um exemplo pode ilustrar. Quando os
invasores portugueses chegaram ao Brasil no sec XVI tentaram subornar os
indígenas pra que eles lhes entregassem as riquezas naturais. Ofereceram várias
iguarias vendidas em Portugal e absolutamente inúteis para os nativos. Mas como
muitos eram de cunho ornamental, os indígenas as aceitaram sem a menor noção
que isso era em troca de outra coisa. Eles entenderam que podiam viver e
dividir suas terras com os portugueses. Quando perceberam que se tratava de um
roubo de suas riquezas e escravização eles resistiram bravamente pois seu
'espirito' comunitário se opunha aos interesses dos europeus.
Diferentemente do que afirmavam,
portanto, os pensadores, não existe na natureza humana um propriedade ABSOLUTA
que explique a corrupção. A corrupção tem sua história e não passa de um mito
ela estar marcada no homem. O que de fato existe é o egoísmo e individualismo,
por um lado, e o sentimento de solidariedade e espirito coletivo, do outro. Em
cada momento da história da sociedade, um prevaleceu sobre o outro. No caso da
nossa história, ao surgir há milhares de anos atrás, a propriedade privada dos
meios de produção fez prevalecer os mesquinhos interesses individuais sobre os
demais. De lá pra cá, a corrupção mudou de forma, mas seu conteúdo é o mesmo: o
frio interesse dos exploradores.
Por outro lado, a corrupção não é
apenas factual, ela depende necessariamente dos fins sociais e históricos do
'ATO' realizado. Como não existe nenhuma
MORAL acima da sociedade e das classes, a CORRUPÇÃO também não está. Toda Moral
é resultante das relações econômicas, independente da vontade humana. É parte
da superestrutura Política, Ideológica e Jurídica, é sustentada por uma base
material. Logo, não se separa do ATO
MORAL4 o fato dos objetivos (fins), pois ela se assenta numa condição
historicamente determinada pelo desenvolvimento da vida material da sociedade.
NÃO EXISTE MORAL ETERNA NEM IMUTAVEL, NEM COMUM A TODOS OS POVOS E SOCIEDADES.
Assim, a corrupção é inerente ao
desenvolvimento social e somente se justifica com o individualismo, pois
corromper ou ser corrompido significa se beneficiar ou beneficiar terceiros
sobre os demais. Só existe porque a base material que sustenta essa moral é a
exploração de uma maioria por uma minoria. Seus fins são individuais e,
portanto, só serão condenáveis se atenderem a interesses particulares ou de
grupos, e/ou atrasarem o progresso social.
Um outro exemplo esclarece. O presidente
norte-americano Abraham Lincoln utilizou todos os expedientes para conseguir
aprovar a lei que acabava com a escravidão nos Estados Unidos. Em virtude do
Parlamento ser absolutamente corrupto, ele subornou e distribuiu cargos para
garantir o direito aos negros. Não por uma bondade excepcional, mas pelo
compromisso politico que havia anteriormente assumido com os negros que lutavam
nas trincheiras contra a Confederação durante a Guerra Civil. Sabia ele que,
caso terminasse a guerra e os negros continuassem escravos seu governo
tornar-se-ia insustentável e as rebeliões se expandiriam. Contudo, Lincoln não
passou para a história como corrupto, mas como o mais importante estadista da
História dos Estados Unidos, sendo assassinado por um reacionário escravista em
virtude da escolha que tomou.
MORAL BURGUESA OU MORAL PROLETÁRIA
Na sociedade atual, a moral
predominante é a burguesa. Lenin resume assim a essência dessa concepção:
“ou saqueia teu próximo ou este
saqueia a ti; ou trabalhas para alguém ou esse alguém
trabalha para ti; ou és dono de escravos ou és escravo”
Toda ela está submetida ao lucro e
exploração. Tudo se pode pela lucratividade! Não importa quanto mal possa
causar. Obvio que sem essa moral, os capitalistas não submeteriam os trabalhadores
a jornadas estafantes e salários miseráveis. Aos trabalhadores cabe seguir
trabalhando, pensando em si mesmo e na sua família, servindo ao patrão para
'crescer' e bem viver. O individualismo é, portanto, sua realização plena,
pedra angular dessa moral.
Tal característica é absolutamente
aceita pelos liberais, pois, 'em virtude das pessoas pensarem em si mesmas por
sua natureza', para eles, cada um pensando em si, lutando pelos seus próprios
interesses resultara no desenvolvimento comum. Lutar contra essa concepção é
lutar contra a própria natureza humana.
A corrupção passa, assim, a ser algo
puramente normal embora inaceitável nos discursos. É real, mas não ideal. O
mundo corporativo é prova inconteste. As grandes empresas subornam, especulam,
mentem, transgridem, enfim, utilizam todo e qualquer expediente na luta pela
conquista do mercado. Não importa o que isso venha causar. Se contestarem,
afirmam os executivos “é o mercado, o que se há de fazer?”. A corrupção no
poder público não passa de uma extensão do mundo empresarial, pois os recursos
do Estado estão submetidos à lógica econômica capitalista. Exatamente por isso,
sucedem os políticos, mas a corrupção é a mesma. Não basta para acabar com a
corrupção mudar os atores, é preciso mudar o sistema social que,
permanentemente, gera a corrupção.
Mas alguém poderia perguntar: se é
tão normal porque todos não aceitam a corrupção? Porque há um rechaço geral a
prática da corrupção? Primeiro, em geral, se nega apenas a corrupção no Poder
Público, pois no mercado privado é aceitável e louvável. Se para ganhar um
negócio se oferecer uma comissão maior, o capitalista mais ‘animal’ ganha, e
outro perde. Não será isso corrupção? Mas, se essa comissão vem do poder
público, ela é condenável. De fato é! Pois o gestor ou político não pode se
beneficiar do cargo para fins particulares. Segundo, porque existe uma disputa
entre o progresso e atraso, o velho e novo. Nossa civilização possui
necessidade de avanços sociais, e a corrupção é um fenômeno social que a
atrasa, que imperra o desenvolvimento social. Embora nenhum país capitalista
tenha acabado (nem acabará enquanto houver capitalismo) com a corrupção, é
notório as diversas conquistas sociais que trazem um combate mais tenaz à tal
prática na gestão dos recursos públicos.
Equivocadamente, vários setores elitizados da sociedade
brasileira apresentaram o seguinte remédio: reduzir os recursos do Estado,
enxugar o Serviço Publico, dinamizar assim a economia e impedir a corrupção.
Uma conclusão de cabeça pra baixo! Na realidade, é preciso, pelo contrário,
socializar toda a riqueza, estatizar a economia, ampliar os investimentos
públicos, estabelecer o controle de todos os recursos sob uma nova MORAL: A
MORAL PROLETÁRIA. Esta, oposta à Moral Burguesa, capitalista e individualista.
Uma MORAL mais avançada, progressista e revolucionária. Mudar toda base
material que sustenta a corrupção é modificar a realização da Moral burguesa na
Política.
Por fim, é possível com o avanço da
sociedade após a uma revolução profunda no modo de produção atual, o predomínio
de um nova MORAL que impeça o individualismo e a CORRUPÇÃO, como bem afirmou o
filosofo espanhol Adolfo Sanchez Vasque5:
“Uma nova vida
econômica, sem alienação do produtor e do consumidor, porque produção e consumo
estão a serviço do homem, torna-se assim condição necessária – ainda que não
suficiente – para uma moral superior, na qual o bem de cada um se combine com o
bem da comunidade”.
1 - John Emerich Edward Dalberg-Acton, 1º
barão Acton, (1834 — 1902), foi um historiador britânico. No pensamento de Lord Acton, o processo
histórico desenvolve-se orientado pela liberdade humana ou livre-arbítrio, no
sentido de uma liberdade cada vez maior. A defesa desta última é um imperativo
moral: se o poder político se arroga o direito de comandar os atos dos homens, ele os priva de sua
responsabilidade.
3 – No primitivismo os indivíduos serviam ao
coletivo, de forma quase exclusiva. Se submetiam aos ditames do líder
espiritual e seu papel era defender com sua vida a existência da comunidade.
Não tinha, assim, uma vontade individual;
4 – É a forma da realização da moral. Só
existe ato moral se for pelo exercício vontade humana. Consuma-se no resultado, ou seja, na realização ou concretização do fim
desejado. É a através do estudo do ATO MORAL que as diversas correntes ÉTICAS estabelecem seus
conceitos;
5 - Adolfo Sánchez Vázquez
foi um filósofo, professor e escritor espanhol. Viveu exilado no México. Nasceu
em Algeciras, Província de Cádiz. É reconhecido com um dos maiores filósofos do
campo da ÉTICA.
*Artigo publicado no jornal A VERDADE em maio de 2015