terça-feira, 13 de setembro de 2016

CORRUPÇÃO E MERCADO, SIMBIOSE PERFEITA NA ATUALIDADE

"gente sem terra
corrupção, desemprego:
mundo em guerra"
Carlos Seabra

             




 Está mais do que claro com os atuais casos de corrupção (somados aos demais de toda a nossa história) que apenas uma pequena parcela se beneficia do 'roubo aos cofres públicos'. Essa parcela é, sem dúvida, a mesma que mantem intacto um conjunto de privilégios sociais e os mantem utilizando tal expediente político. No caso da operação Lava-Jato, que investiga fraudes na Petrobras, os principais beneficiados foram empreiteiros que enviaram para fora do país aproximadamente R$ 5 bilhões. Os demais recursos foram distribuídos entre partidos e dirigentes da empresa. Como quase nunca eles (empresários) são investigados e presos, é normal que se desvie a atenção das pessoas para impedir que o povo brasileiro perceba o quanto às grandes empresas privadas são as principais responsáveis por todo o mar de lama existente.
            Para ir à raiz desse problema, é preciso, pois, se perguntar: o que motiva toda essa corrupção? Como ela se mantém? Ela sempre existiu? Quais suas características? Tentemos esclarecer.

ESSÊNCIA DA CORRUPÇÃO

            Assim Lord Acton1 chegou as causas da corrupção:
           "O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente, de modo que os grandes homens são quase sempre homens maus."
            Pra ele, o poder e o homem quando se misturam gera corrupção. E a maldade do homem é a responsável pela corrupção. O homem corrompe o poder porque é da sua natureza. Pensamento compartilhado também por Nicolau Maquiavel2:
             “Tudo se degenera, se sucede e se repete fatalmente”  e “Mas a ambição do homem é tão grande que, para satisfazer uma vontade presente, não pensa no mal que daí a algum tempo pode resultar dela”.
            Ora, uma explicação absolutamente simplista para o problema. Para ambos, qualquer exercício de poder seria corrupto. Em resumo: O homem é corrupto porque o poder o corrompe. O poder é corrupto porque o homem o corrompe. Não passa de um argumento puramente circular, como “a arvore dá frutos porque é arvore e essa é sua característica”.
            Bastaria que apenas um dos poderosos não se corrompesse para cair por terra tais argumentos. Fato esse que está repleto na história, mas que ninguém acreditaria. É como se já estivesse arraigada no imaginário dos seres humanos. Alguém diria: “Certo, esse não é corrupto, tão logo se investigue se descobrirá a verdade”. Não passa de especulação idealista uma conclusão como essa. Entretanto, para se negar, descobrindo que não é essa a causa da 'corrupção do poder' há a necessidade do estudo da história da própria humanidade.
            A corrupção nem sempre existiu. As comunidades primitivas não viveram a corrupção. Isso porque a 'comunidade' era sempre mais importante que seus habitantes. A moral era baseada no seguinte principio: “a vida serve para preservar a comunidade”. Nesse estágio, no qual o homem e sua individualidade era até mesmo subestimada3, os interesses comuns estavam acima dos interesses pessoais. Era desonroso 'vender' ou se beneficiar de conquistas sociais. No entanto, em virtude da elevação do nível de desenvolvimento material da humanidade, das insuficiências desse modo de viver e uma elevação do grau de conhecimento e técnica da sociedade, essa moral sucumbiu quando surgiu a propriedade privada dos meios de produção (individual) e a divisão, consequentemente, da sociedade em classes sociais.
            Um exemplo pode ilustrar. Quando os invasores portugueses chegaram ao Brasil no sec XVI tentaram subornar os indígenas pra que eles lhes entregassem as riquezas naturais. Ofereceram várias iguarias vendidas em Portugal e absolutamente inúteis para os nativos. Mas como muitos eram de cunho ornamental, os indígenas as aceitaram sem a menor noção que isso era em troca de outra coisa. Eles entenderam que podiam viver e dividir suas terras com os portugueses. Quando perceberam que se tratava de um roubo de suas riquezas e escravização eles resistiram bravamente pois seu 'espirito' comunitário se opunha aos interesses dos europeus.
            Diferentemente do que afirmavam, portanto, os pensadores, não existe na natureza humana um propriedade ABSOLUTA que explique a corrupção. A corrupção tem sua história e não passa de um mito ela estar marcada no homem. O que de fato existe é o egoísmo e individualismo, por um lado, e o sentimento de solidariedade e espirito coletivo, do outro. Em cada momento da história da sociedade, um prevaleceu sobre o outro. No caso da nossa história, ao surgir há milhares de anos atrás, a propriedade privada dos meios de produção fez prevalecer os mesquinhos interesses individuais sobre os demais. De lá pra cá, a corrupção mudou de forma, mas seu conteúdo é o mesmo: o frio interesse dos exploradores.
            Por outro lado, a corrupção não é apenas factual, ela depende necessariamente dos fins sociais e históricos do 'ATO' realizado.  Como não existe nenhuma MORAL acima da sociedade e das classes, a CORRUPÇÃO também não está. Toda Moral é resultante das relações econômicas, independente da vontade humana. É parte da superestrutura Política, Ideológica e Jurídica, é sustentada por uma base material.  Logo, não se separa do ATO MORAL4 o fato dos objetivos (fins), pois ela se assenta numa condição historicamente determinada pelo desenvolvimento da vida material da sociedade. NÃO EXISTE MORAL ETERNA NEM IMUTAVEL, NEM COMUM A TODOS OS POVOS E SOCIEDADES.
            Assim, a corrupção é inerente ao desenvolvimento social e somente se justifica com o individualismo, pois corromper ou ser corrompido significa se beneficiar ou beneficiar terceiros sobre os demais. Só existe porque a base material que sustenta essa moral é a exploração de uma maioria por uma minoria. Seus fins são individuais e, portanto, só serão condenáveis se atenderem a interesses particulares ou de grupos, e/ou atrasarem o progresso social.
            Um outro exemplo esclarece. O presidente norte-americano Abraham Lincoln utilizou todos os expedientes para conseguir aprovar a lei que acabava com a escravidão nos Estados Unidos. Em virtude do Parlamento ser absolutamente corrupto, ele subornou e distribuiu cargos para garantir o direito aos negros. Não por uma bondade excepcional, mas pelo compromisso politico que havia anteriormente assumido com os negros que lutavam nas trincheiras contra a Confederação durante a Guerra Civil. Sabia ele que, caso terminasse a guerra e os negros continuassem escravos seu governo tornar-se-ia insustentável e as rebeliões se expandiriam. Contudo, Lincoln não passou para a história como corrupto, mas como o mais importante estadista da História dos Estados Unidos, sendo assassinado por um reacionário escravista em virtude da escolha que tomou.

MORAL BURGUESA OU MORAL PROLETÁRIA

            Na sociedade atual, a moral predominante é a burguesa. Lenin resume assim a essência  dessa concepção:
            “ou saqueia teu próximo ou este saqueia a ti; ou trabalhas para alguém ou esse             alguém trabalha para ti; ou és dono de escravos ou és escravo”
            Toda ela está submetida ao lucro e exploração. Tudo se pode pela lucratividade! Não importa quanto mal possa causar. Obvio que sem essa moral, os capitalistas não submeteriam os trabalhadores a jornadas estafantes e salários miseráveis. Aos trabalhadores cabe seguir trabalhando, pensando em si mesmo e na sua família, servindo ao patrão para 'crescer' e bem viver. O individualismo é, portanto, sua realização plena, pedra angular dessa moral.
            Tal característica é absolutamente aceita pelos liberais, pois, 'em virtude das pessoas pensarem em si mesmas por sua natureza', para eles, cada um pensando em si, lutando pelos seus próprios interesses resultara no desenvolvimento comum. Lutar contra essa concepção é lutar contra a própria natureza humana.
            A corrupção passa, assim, a ser algo puramente normal embora inaceitável nos discursos. É real, mas não ideal. O mundo corporativo é prova inconteste. As grandes empresas subornam, especulam, mentem, transgridem, enfim, utilizam todo e qualquer expediente na luta pela conquista do mercado. Não importa o que isso venha causar. Se contestarem, afirmam os executivos “é o mercado, o que se há de fazer?”. A corrupção no poder público não passa de uma extensão do mundo empresarial, pois os recursos do Estado estão submetidos à lógica econômica capitalista. Exatamente por isso, sucedem os políticos, mas a corrupção é a mesma. Não basta para acabar com a corrupção mudar os atores, é preciso mudar o sistema social que, permanentemente, gera a corrupção.
            Mas alguém poderia perguntar: se é tão normal porque todos não aceitam a corrupção? Porque há um rechaço geral a prática da corrupção? Primeiro, em geral, se nega apenas a corrupção no Poder Público, pois no mercado privado é aceitável e louvável. Se para ganhar um negócio se oferecer uma comissão maior, o capitalista mais ‘animal’ ganha, e outro perde. Não será isso corrupção? Mas, se essa comissão vem do poder público, ela é condenável. De fato é! Pois o gestor ou político não pode se beneficiar do cargo para fins particulares. Segundo, porque existe uma disputa entre o progresso e atraso, o velho e novo. Nossa civilização possui necessidade de avanços sociais, e a corrupção é um fenômeno social que a atrasa, que imperra o desenvolvimento social. Embora nenhum país capitalista tenha acabado (nem acabará enquanto houver capitalismo) com a corrupção, é notório as diversas conquistas sociais que trazem um combate mais tenaz à tal prática na gestão dos recursos públicos.
Equivocadamente, vários setores elitizados da sociedade brasileira apresentaram o seguinte remédio: reduzir os recursos do Estado, enxugar o Serviço Publico, dinamizar assim a economia e impedir a corrupção. Uma conclusão de cabeça pra baixo! Na realidade, é preciso, pelo contrário, socializar toda a riqueza, estatizar a economia, ampliar os investimentos públicos, estabelecer o controle de todos os recursos sob uma nova MORAL: A MORAL PROLETÁRIA. Esta, oposta à Moral Burguesa, capitalista e individualista. Uma MORAL mais avançada, progressista e revolucionária. Mudar toda base material que sustenta a corrupção é modificar a realização da Moral burguesa na Política.
            Por fim, é possível com o avanço da sociedade após a uma revolução profunda no modo de produção atual, o predomínio de um nova MORAL que impeça o individualismo e a CORRUPÇÃO, como bem afirmou o filosofo espanhol Adolfo Sanchez Vasque5:
“Uma nova vida econômica, sem alienação do produtor e do consumidor, porque produção e consumo estão a serviço do homem, torna-se assim condição necessária – ainda que não suficiente – para uma moral superior, na qual o bem de cada um se combine com o bem da comunidade”.
           
1 - John Emerich Edward Dalberg-Acton, 1º barão Acton, (18341902), foi um historiador britânico. No pensamento de Lord Acton, o processo histórico desenvolve-se orientado pela liberdade humana ou livre-arbítrio, no sentido de uma liberdade cada vez maior. A defesa desta última é um imperativo moral: se o poder político se arroga o direito de comandar os atos dos homens, ele os priva de sua responsabilidade.
2 - Nicolau Maquiavel (1469  1527) foi um historiador,  poeta,  diplomata  e  músico  italiano  do  Renascimento. É reconhecido como fundador do pensamento e da ciência política moderna;
3 – No primitivismo os indivíduos serviam ao coletivo, de forma quase exclusiva. Se submetiam aos ditames do líder espiritual e seu papel era defender com sua vida a existência da comunidade. Não tinha, assim, uma vontade individual;
4 – É a forma da realização da moral. Só existe ato moral se for pelo exercício vontade humana. Consuma-se no resultado, ou seja, na realização ou concretização do fim desejado. É a através do estudo do ATO MORAL que  as diversas correntes ÉTICAS estabelecem seus conceitos;

5 - Adolfo Sánchez Vázquez foi um filósofo, professor e escritor espanhol. Viveu exilado no México. Nasceu em Algeciras, Província de Cádiz. É reconhecido com um dos maiores filósofos do campo da ÉTICA.

*Artigo publicado no jornal A VERDADE em maio de 2015

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