111 presos assassinados em 1992 e
o julgamento de 74 policiais responsáveis pelo Massacre do Carandiru foi cancelado pelo
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Eles haviam sido condenados a penas
que variavam de 24 a 624 anos de prisão. Segundo o desembargador Ivan Sartori,
relator do processo, “Não houve massacre. Houve obediência hierárquica. Houve
legitima defesa. Houve estrito cumprimento do dever legal”. Inacreditável! Um
grupo de policiais entra numa Casa de Detenção, verdadeiro depósito de seres
humanos comparável a um navio negreiro, mata essa quantidade de pessoas em
legitima defesa.
Embora
seja chocante essa decisão, a Justiça não faz mais que repetir o que tem sido
comum: o desprezo com as vítimas de violência policial e a impunidade de
agentes de segurança, no pleno exercício do serviço público, que abusam do
poder, reprimem, seqüestram e assassinam pessoas pelo país afora. O local quase
sempre é o mesmo, as favelas. A polícia, aparentemente, não percebe a diferença
entre um presídio e a periferia urbana, exercendo coercitivamente seu poder e
tratando todos como suspeitos ou potenciais criminosos.
Conforme
aponta o relatório da Anistia Internacional a Policia Militar no Brasil é a que
mais mata no mundo. Os EUA vêm logo atrás. Em 2014, 15,6% dos homicídios tinha
um policial no gatilho. Isso significa 8,7 mil pessoas assassinadas. As vitimas
quase sempre são negras, pobres e moradores de favelas.
Casos
não faltam. O pedreiro Amarildo desapareceu em 2013 na favela da Rocinha, Rio
de Janeiro, e seu corpo nunca foi encontrado. 12 policiais foram condenados e
12 foram absolvidos mas aguardam ansiosamente o mesmo desfecho do Carandiru. O
jovem Davi da Silva, 17 anos, nunca mais voltou quando passeava e foi abordado
por policiais. O caso ocorreu em Maceió e testemunhas ouvidas confirmaram que
viram o jovem entrar na viatura policial. Nunca o corpo foi encontrado e ninguém
foi punido. Em Fortaleza, 11 adolescentes foram assassinados no bairro Curió em
novembro de 2015 após policiais encapuzados atirarem em bares e restaurantes do
bairro. A ação foi uma vingança após um policial ter sido assassinado. 44
policiais estão presos, mas aguardam também o perdão da justiça.
Até
mesmo a Organização das Nações Unidas já reconhece abertamente essa situação.
Zeid Al Hussein, alto comissário para os Direitos Humanos afirmou “Não há uma
tentativa de ser defensivo e há um entendimento de que o Brasil enfrenta um
teste severo nesta área e que a maioria dos brasileiros afrodescendentes se
sentem inseguros nas zonas urbanas e de que não tem a mesma proteção da policia...o
primeiro passo para lidar com um problema é reconhecer que ele existe”.
Muitos
justificam a violência policial para contenção da criminalidade. Um tremendo
engano. Chegam ao cumulo de retirar a humanidade de presos e suspeitos, até
apoiando esses ataques e massacres. Trata-se de uma guerra, afirmam. Esquecem-se
de que falamos daqueles que não estão armados, e mesmo assim, morrem
cotidianamente. Ainda que fosse uma guerra entre bandidos e mocinhos, os ‘civis’
deveriam ser protegidos em vez de serem mortos.
Infelizmente, assim
como tantos outros crimes policiais nas favelas, Carandiru é apenas uma semente
que foi plantada na ditadura civil-militar (1964-1985) e sempre renasce até o
dia em que povo brasileiro tome o seu destino na mão, arrancando a raiz de vez.
Daí em diante passará à memória de um tempo que não volta mais.
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